19 de novembro de 2009

O Governo Ideal



Nunca na história do homem um regime de governo teve respaldo tão absoluto quanto a democracia de massas contemporânea. A crença de que a democracia representativa é a panacéia que soluciona e solucionará todos os problemas do homem já está tão arraigada no subconsciente coletivo que as pessoas que ousam criticá-la são imediatamente rotuladas de reacionários, fascistas, nazistas etc.

Como se isso não bastasse, o culto da democracia moderna, nos dias que correm, chegou ao paroxismo da sacralidade. No mundo ocidental atual e nos países de sua órbita, qualquer violação do credo democrático constitui autorização automática para que os autonomeados sacerdotes desse culto invadam os países que assim agirem.

Diante dessa situação, creio que também nunca na história humana foi tão importante que o homem procure responder a uma questão fundamental: qual é o governo ideal?

Acredito que essa indagação não nasce no espírito do homem contemporâneo somente porque ele é o primeiro na história a se deparar com o fenômeno da aceitação quase unânime da democracia de massas como sendo o melhor regime de governo que já existiu na história. Nasce, antes de tudo, da necessidade por assim dizer biológica que o homem tem de ordenar o seu próprio ser, ou, por outras palavras, de governar seu próprio microcosmo individual. De fato, como o homem pode pensar em convívio social se ele não consegue exercer um autocontrole sobre si mesmo? E como ele pode ter um autocontrole sobre si se não procurar entender o que ele é? Meditar sobre seu próprio ser, eis a primeira lição das pessoas que desejam entender o que é o governo.

Grosso modo, o racionalismo constituiu um abuso do método dedutivo. Em vez de seguir a ordem tradicional de reflexão, que exige que o homem, antes de querer entender a realidade, entenda a si mesmo por meio da construção de uma metafísica, de uma teoria do conhecimento e da construção de uma ética que lhe permita agir corretamente no mundo, reconhecia, como realidade primeira e fundante do homem a razão.

Para os pensadores racionalistas, o fato de o homem ser dotado de razão lhe conferia uma autoridade intelectual inquestionável, e o uso da razão lhe fornecia o poder auto-suficiente de decidir o que é certo ou errado, falso ou verdadeiro por sua própria conta, bastando para tanto que o homem fizesse alguns raciocínios. Partindo dessa postura eles reduziram toda a teoria do conhecimento ao famoso dito de Descartes “penso, logo existo”, ignoraram a metafísica sob a desculpa de que pertencia à teologia, e criaram uma ética pragmática, cujo princípio maior de correção moral era o de que cada um deve guiar-se por sua própria razão.

Ou seja, aprisionaram-se em seus próprios mundos intelectuais, onde entronizaram a razão no lugar tradicionalmente ocupado por Deus, e decretaram que não seria mais necessário contemplar a realidade para, depois, tentar entendê-la. Bastava ao homem usar sua razão, criar sua própria realidade ideal e então, voilà, tudo estava resolvido, seria possível criar o mundo perfeito, à imagem e semelhança do que esses pensadores sonhavam em suas cabeças. Ora, a razão, não pode dar razão de si mesma pois, se ela é uma faculdade humana, por mais superior que se possa concebê-la continuará a ser ipso facto falível.

O resultado disso todos conhecem bem. Surge uma das castas mais arrogantes que a história já conheceu, a dos intelectuais especialistas em criar receitas de mundo. São pessoas privilegiadas, pois têm uma capacidade racional sobre-humana, com poderes demiúrgicos, que lhes permitem conceber e mostrar para todos nós, mortais comuns, qual é mundo e o governo ideal em que nós “temos o direito” de viver. Nos dias de hoje, são eles que continuam a nos dizer que a melhor forma de governo que o homem já concebeu é a democracia representativa.

Ocorre que se analisarmos a história desde a época em que esses intelectuais começaram a ser ouvidos pelos governantes até os dias de hoje, em que eles são os governantes, o mundo só fez piorar. O poder tornou-se cada vez mais centralizado e chegou num patamar em que um só homem detém poder suficiente para destruir toda a terra. As guerras, com seus rastros de violência e destruição, tornaram-se a regra, e a paz, a exceção. A liberdade individual transformou-se num sonho de uma noite de verão de num passado bem distante. A corrupção cultural, moral e espiritual atingiu dimensões inimagináveis. Os ciclos econômicos aceleraram-se de forma nunca vista na história humana. E os exemplos poderiam se multiplicar.

Mas, afinal, há um regime de governo ideal? A meu ver, não pode haver somente um regime de governo ideal. Isso é impossível. A complexidade da natureza humana é inabarcável, e jamais poderá ser enquadrada em apenas uma moldura conceitual previamente criada pela razão humana.

A grande verdade é que a infinita pluralidade de tradições e costumes humanos não pode ser engessada, modificada, podada ou extirpada por modelos teóricos concebidos, por assim dizer, nos laboratórios mentais de pretensos intelectuais, e simplesmente impostos às pessoas de cima para baixo. Sempre que isso ocorreu na história, inevitavelmente houve uma reação revolucionária que restaurou a ordem natural dentro da qual o homem foi criado para viver.

Repito: não existe um regime de governo ideal. Se em minha região os costumes e tradições poderiam fazer com que o regime monárquico funcionasse perfeitamente, em outra e para outro povo, com diferentes costumes e tradições, o sistema tribal poderia ser o melhor. Ainda, em outro lugar a democracia poderia ser a solução ideal. Pode até acontecer de um povo escolher, por livre e espontânea vontade, ser governado por um ditador e sentir-se feliz com ele.

É óbvio que, para qualquer sociedade existir e desenvolver-se, é indispensável que haja alguma espécie de governo que estabeleça, de algum modo, a lei e a ordem no convívio social. Mas é fundamental que as pessoas saibam que entre governo e Estado existe uma diferença inconciliável, como a que existe entre liberdade e escravidão.

Outro fato que já está mais do que demonstrado ao longo da história é que a democracia só funciona em lugares pequenos, relativamente pouco povoados e onde vive gente, como se diz, muito bem de vida e educada. A democracia de massas é o maior embuste do mundo moderno, o disfarce mais bem feito que se descobriu até hoje para manter no poder uma casta de privilegiados que querem apenas viver à custa do trabalho alheio, sempre sob a desculpa de redistribuir a riqueza do próximo para fazer justiça aos mais necessitados.

Outra evidência histórica indiscutível é que toda centralização de poder é perversa e degenerará, sempre, em tirania, oligarquia, demagogia ou em seja lá o que for possível existir de ruim.


Acredito que o arranjo social que mais se aproximaria da ordem natural das coisas seria compostos por pessoas e povos que formariam, por toda a terra, como que uma colcha de retalhos onde cada retalho seria completamente diferente do outro, apesar da proximidade, e sem nenhum controle estatal central. Haveria reinos, cidades-estados, tribos, feudos, e tudo o mais que o inventivo gênio prático do homem pudesse imaginar e criar que possibilitasse uma convivência social harmônica, isto é, que respeitasse, acima de tudo, a vida, a liberdade e a propriedade de cada ser humano. Decerto também haveria tiranias, oligarquias etc, pois o homem não é o mais dócil dos animais.

Informações Completa: http://oindividuo.com/convidado/kfouri10.htm

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